3/09/2010

Ex-Alferes Paiva e Sousa comenta o meu Desabafo

Caro Zeca,

Compartilho do teu desabafo. Estive em Farim no tempo em que lá estiveste e também o Cap. Fontão. Nessa época era Alferes de Cavalaria do Pel. Daimler 1134 e encarregado da 5.ª Comp.ª de Milícias. Cabia-me a mim e ao Oliveira do Pel. de Morteiros patrulhar as estradas de Binta e Jumbembem, fazer de Oficial de Serviço ao Batalhão incluindo os postos de Milícia. Cabia também ao meu pelotão a defesa rápida da periferia do aquartelamento. Missões houve de minha iniciativa, como promover e orientar a construção de casas para a milícia, promover a escolaridade dos milícias, tentar fazer uma sede para a milícia, onde se pudesse ter uma secretaria, escola, formação agrícola e desenvolver outros aspectos com interesse.

Era muito importante auxiliar aquele povo da Guiné. Só na primeira semana de Farim fiz a sesta, nunca mais tive tempo. Manter as AM e pessoal operacionais, os serviços, as patrulhas aos itinerários, a organização da milícia, a construção das casas, selecção de novos milícias para substituir os que foram para os “Roncos”, etc… só o Agostinho Ferreira me dava alento. Nunca tive um oficial que pretendesse ou que se dignasse a prestar uma ajuda. Custava-me a entender como os oficiais do QP não prestavam apoio áquela luta que servia a “guerra fria” e não a causa de Portugal. Eram os mesmos oficiais que não sabiam dar uma formação capaz para a guerra que enfrentávamos, tivemos de aprender à nossa custa e à custa de vidas humanas e homens estropiados para o resto da vida. De tantas e tantas saídas para Binta e Jumbembem nunca tive ocasião de partilhar aquelas missões com qualquer oficial do QP. Excepto, numa emboscada na estrada de Binta onde partilhei a corrida que lá fizeram as AM com o Tenente Cor. Agostinho Ferreira e nalguns ataques a Farim em que ele nos acompanhou.

As negociações com o IN eram possíveis desde que tivéssemos poder de barganha na mesa. Nas longas conversas com o CMDT de Batalhão, nos passeios que fazíamos de jeep dentro e fora do arame farpado, debatíamos esse assunto e a solução que se nos afigurava era politica, mas obtendo nós alguma supremacia no campo militar. E era relativamente fácil recrutando bom pessoal local, em quantidade tal como se fizera com os “Roncos”, para onde foram destacados milícias para os dois grupos de combate. A disputa para preencher os lugares vagos por causa da formação dos “Roncos”, era enorme. A quantidade de jovens a oferecerem-se era de pasmar. Mandei endurecer várias vezes os exercícios de selecção e tive de pedir ao comandante para se alargar o número, doía o coração ver aqueles rapazes que choravam, lutando furiosamente por um lugar na milícia.

A milícia tinha dois pelotões de maioria mandinga e fula, tentei aumentar o número de balantas, até constituir outro pelotão, mas tive a tenaz oposição do major 2.º cmdt. Os balantas eram os que mais lutavam para entrar na milícia. Gostava dos balantas também, ia muitas vezes sozinho para o fundo da pista vê-los trabalhar na sua agricultura, apreciando as formas como cultivavam a terra. Era o caminho. No tempo do Spínola eram vinte mil homens locais no exército português. Foram entregues a cinco mil esfarrapados do PAIGC. Abatidos do nosso exécito foram umas centenas, com o dito exército português no terreno. Homens, soldados como nós que partilharam connosco a guerra, eram portugueses como nós. Classifiquem isto senhores militares! Entregar ao IN os nossos soldados desarmados!? Pré independência da Guiné? Culpados? Quem? Repare-se na conversão da China ao capitalismo, tudo na ordem, sem os descalabros da União Soviética, ou da nossa descolonização e democratização.

A abrilada abriu as portas à desordem, ao caos social, aproveitado pelas forças que serviam outros senhores, não os interesses portugueses. Militares sem qualquer preparação, nem militar, nem politica fizeram uma revolução sem medirem as consequências, pois o estudo antecipado dos acontecimentos não foi feito. O estudo profundo da realidade económica, social e política ficou por fazer e sem preocupação, alegremente com a turba multa à solta manobrada por agitadores profissionais foi-se corroendo a organização empresarial, colocando a incompetência nos lugares de chefia. Os militares que não souberam fazer a guerra fizeram a revolução, quiseram sobressair na “paz” por eles instituída. A mim coube-me ter de fechar três empresas e ver uma quarta que tinha mais de quatrocentos trabalhadores permanentes ficar reduzida a uma dúzia.

Apressadamente aderimos à CEE para não ter que aderir ao comunismo. Foi para isto? Um país que não teve “revolução industrial” em tempo, e quando já tinha uma indústria ainda incipiente, ainda terceiro mundista, baseada em mercados africanos, de repente viu-se a enfrentar a concorrência dos países desenvolvidos, com as fronteiras escancaradas, as organizações corporativas destruídas, sem substituição, os sectores de industria condicionada desmantelados e agora as empresas estrangeiras que vieram aproveitar a mão de obra barata fogem para leste, por razões óbvias?! O desemprego aumenta assustadoramente, o país mergulhado na apatia, uma larga faixa da população não vota, desinteressada já do estado de coisas para onde conduziram a nação. Os militares que fizeram a abrilada estão refastelados nas boas pensões e acham que foram brilhantes. Exército? tivemos, cerca de duzentos e vinte mil homens. Hoje? Quase não existe. Na Guiné trabalhei com alegria e gosto de ajudar, pensava eu que o nosso exército era como o israelita com todos a lutar pela mesma causa. Noutros países a selecção para as escolas militares era rigorosa… Agora para ajudar a Guiné, os guinéus e ex-militares constituem-se ONG’s onde caritativamente alguns milicianos condoídos trabalham. Do QP?

Bom caro Zeca já é tarde, vou-me deitar e por aqui me fico.

10-03-2010

Manuel de Paiva e Sousa

Um comentário:

Carlos Silva disse...

Zeca

Esta mensagem tem por objectivo informar-te que estou a receber os teus mails.
Contudo, tenho enviado muitos mails para ti e vêm devolvidos com msg de erro.
Mesmo as respostas aos teus mails vêm devolvidas.
Tens problemas na recepção ???
Podes e deves eliminar a mensagem
Um abraço
Carlos Silva